quinta-feira, 11 de junho de 2009

Reflexões sobre a personificação do Poder - O Autoritarismo de Tendência Totalitária e a fragilidade das Instituições

Finalmente chegou a data tão esperada. As crianças vestidas com suas melhores roupas, coloridas, estampadas, algumas novas, outras nem tanto, porém todas, roupas de festa, apropriadas para a ocasião, brincavam num alarido digno de uma revoada de araras e periquitos numa manhã límpida e cristalina de céu ensolarado.
As mães, orgulhosas dos seus rebentos, não os perdiam de vista, cheias de cuidado para que não se sujassem nem se machucassem nas esbaforidas brincadeiras que corriam soltas, num exalar de vitalidade e alegria pueril, como se quisessem parar o tempo para eternizar aqueles momentos de sublime alegria.
Os mocinhos e as mocinhas, cheios da graça, dos ideais e da certeza de poder mudar o mundo, próprias da idade, circulavam altivos como se estivessem a criar um espaço próprio, indevassável à ingenuidade das crianças, à condescendência ilimitada de mães embevecidas e ao sisudo comportamento e pensamento estreito dos pais, moldados na fornalha da sobrevivência rude, permeada de constante sacrifício.
Os pais, reunidos em pequenos grupos conversavam distraidamente encadeando um assunto noutro, falando de futebol, de rinha de galo, do terremoto, das chuvas - e suas enchentes que país afora levavam desespero e sofrimento a milhares de desabrigados e desamparados - reeditando um filme que a cada ano se repetia mais carregado nas cores da desgraça - falando dos políticos e a mais recente esperteza que estavam maquinando, cujos balões de ensaio para testar a paciência do povo, já circulavam nas rádios e nos jornais; e assim tudo transcorria num clima de descontração e expectativa. Ninguém queria, pelo menos naquele momento, se preocupar com os problemas reais da vida, como se aquele instante, fosse uma pausa sagrada para um pequeno descanso da canga pesada na qual suas vidas se transformaram; e, portanto, tal como um sonho, merecia ser eternizado.
A expectativa era pela visita do Sr. Jacepuca, homem destemido, bem feitor para uns, temor de cominação para outros, mas respeitado por todos, que o reverenciavam como se estivessem diante do Onipotente. Sua palavra era lei, sobre a qual não cabia discussão. Seu poder, não se sabe, oriundo de onde, poderia mudar a vida de qualquer um, para melhor ou para pior, sem que ao prejudicado – como um satélite insignificante a girar na órbita do astro rei – coubesse qualquer recurso. Porém, justiça seja feita, todos eram unânimes em afirmar que o Sr. Jacepuca era homem correto, embora fosse muito provável que essa avaliação não tivesse fundamento em ações e realizações concretas e sim no temor reverencial que lhe devotavam; e, portanto não refletisse adequadamente a realidade. Consta ainda que sua exigência de fidelidade absoluta, por parte daquele povo que ele via como se propriedade sua fosse, tinha a ver com a educação que recebera, muito austera e conservadora, como se o rebento estivesse sendo preparado para uma guerra já nos primeiros anos da infância, costume e tradição que não havia mudado embora fosse ele de uma geração já bastante distante de seus ancestrais desbravadores daquele rincão; razão porque já havia se desapegado de certos valores importantes e inegociáveis para seus antepassados, notadamente no que dizia respeito a padrões éticos e morais em relação à coisa pública, porém tinha preservado outras características, como o gosto pelo autoritarismo despótico e pelo poder. Além disso, quase tudo que existia no povoado - e não era muita coisa - mas que tinha lá sua serventia, diziam ser obra sua, embora isso nunca tivesse sido comprovado. Portanto havia uma cumplicidade mútua entre ele e a população na forma de construir esse simbiótico relacionamento.
Assim era o Sr. Jacepuca. Não se sabe ao certo se fazia parte da sexta ou da sétima geração de uma família que fugira do jugo de um senhorio impiedoso, cuja especialidade era a exploração de seus semelhantes, como um vampiro que suga cada gota de sangue de sua vítima até extrair-lhe a própria vida.
Tomado de grande coragem e de um lampejo de sabedoria matuta esse ancestral distante do Sr. Jacepuca, cujo nome segundo os mais antigos seria Zózimo – não havia registro oficial e a história era transmitida oralmente de geração para geração - numa noite de lua cheia, e sem qualquer aviso prévio que pudesse denunciar suas intenções e por a empreitada a perder, manda que a mulher arrume uma matula com umas poucas coisas para comer e junto com os onze filhos, seis meninos e cinco meninas, o mais velho um varão com catorze anos aproximadamente e o menor ainda de colo, saem numa caminhada sem destino certo, buscando um eldorado perdido em algum lugar ermo e muito distante daquele senhorio que dia mais, dia menos acabaria por sugar suas energias e sua própria vida, caso ali permanecesse.
Segundo consta, caminharam a noite inteira, pois era necessário que ao amanhecer, quando dessem por sua falta, já estivessem bem longe, o suficiente para não serem localizados pelas equipes de busca que o senhorio colocaria em diligências por todo o entorno.
Como proteção, levavam apenas uma imagem de um santo protetor a quem se apegavam em suas orações; e pelo sim, pelo não, um facão de quase um metro de comprimento feito de aço forjado, bom de corte e de cabo reforçado para agüentar a contento qualquer refrega. E assim, ao cabo de muitos dias de caminhada, cuja conta se perdeu, mas que deve ter chegado a umas três semanas, pois a lua já estava no quarto crescente quando finalmente aportaram num local aprazível onde dantes viva alma não havia estado, e por lá resolveram ficar e fundar seu país.
Com as próprias mãos e com umas ferramentas improvisadas feitas de madeira com o velho facão, construíram um casebre que os protegesse das intempéries e das feras de hábitos noturnos. Dizem que nas primeiras noites, Zózimo teve que se revezar em plantão com o filho mais velho e enfrentar onça pintada de facão em punho, pois estas não aceitavam dividir com ninguém o mando daquele mundão sem fim onde reinavam absolutas.
Esse país, pródigo em água, terra fértil, caça em abundância, frutas nativas e outros favores da natureza, tinha tudo para que Zózimo e sua família fincassem raízes profundas e com o tempo e muita coragem para trabalhar começassem a prosperar, ainda que lentamente e sem pressa, como é próprio dos lugares ermos e perdidos na vastidão deste planeta, onde a contagem do tempo se faz noutro ritmo sem as preocupações tão em moda nas sociedades modernas nos dias atuais, que fazem com que as pessoas se transformem em joguetes na medida em que correm para cumprir um número infindável de compromissos a cada dia.
O exemplo de Zózimo fez com que outros destemidos também tentassem a sorte, escapando em fuga das garras do senhorio; e quis o destino ou o acaso, ambos caprichosos, que esses fugitivos seguissem na mesma direção, talvez por se orientarem pela posição da lua, eterna companheira e guia, de sorte que outras famílias foram aos poucos chegando naquele fim de mundo, onde se estabeleceram com a cara, a coragem e muita determinação dando origem a um pequeno aglomerado de pessoas, que no futuro seria a origem do vilarejo, local da festa objeto desta narrativa.
Porém, neste mundo nada permanece imutável. O homem é um ser em permanente evolução - muitas vezes em regressão. Influencia e modifica a sociedade, nem sempre para melhor - com suas atitudes, comportamentos e ações - e é influenciado pela sociedade cuja velocidade de mudanças supera a capacidade de adaptação individual, gerando com essa dinâmica, desajustes e conflitos que precisam ser regulados através de normas e regras, cuja gestão tem que ser confiada a uma entidade (supostamente) isenta, inclusive para julgar as controvérsias e aplicar eventuais sanções, quando necessário.
Ou seja, o germe da discórdia está dentro do homem como se fosse um órgão virtual. Não é palpável, não está visível, não é concreto, não pode ser agarrado ou extirpado, mas pode ser pressentido, pois se manifesta ainda que dissimuladamente de várias maneiras, seja pela inveja ou pela maldade, ou disfarçadamente através de ações impetradas para transformar o prejuízo de terceiros em vantagens para si; e numa série infindável de matreirices semelhantes.
No entanto, esse risco se não pode ser eliminado, pode ser combatido e minimizado pela criação e consolidação de Instituições sólidas e respeitáveis, posicionadas acima de governos e de partidos políticos, para que o Estado de direito prevaleça, para que a Lei paire acima de todos e que administração da Justiça seja imparcial e imune ao tráfico de influência.
E o que aconteceu naquele país? No início tudo era harmonia. As dificuldades eram tantas que não sobrava tempo nem energia para divergências ou conflitos. Prevalecia o espírito de solidariedade e camaradagem entre todos, sem o qual não haveria qualquer progresso, quiçá condições de sobrevivência, nem possibilidade de transpor os inúmeros obstáculos que tinham pela frente.
No entanto, o tempo que é senhor de tudo se encarregou de introduzir mudanças substanciais naquele ambiente até certo ponto paradisíaco.
Na medida em que as dificuldades amainavam, sobrava tempo, no início utilizado para atividades de laser e congraçamento que fortaleciam ainda mais os vínculos de companheirismo. Porém aos poucos a racionalidade começou a cobrar seu preço e o germe da desídia e da discórdia foi lentamente tomando corpo, alterando os ânimos e introduzindo desejos até então desconhecidos, como se a Serpente malvada tivesse distribuído maçãs a todos.
Houve grande comoção e a população do país que a essa altura havia aumentado consideravelmente, fosse por movimentos migratórios ou pelos casamentos entre a descendência dos primeiros habitantes do primeiro núcleo populacional, viu-se repentinamente diante de um problema novo com o qual não sabia lidar, pois se o crescimento e o desenvolvimento por um lado contribuiu para alguma melhoria nas condições de vida, com o surgimento de um comércio incipiente, posto médico, escola, cemitério – pois lá também se morria - e outros bens e serviços públicos, motivo de grande orgulho para seus habitantes, por outro deu origem a problemas de relacionamento antes inexistentes, decididos inicialmente na base da força bruta, solução que evoluiu gradativamente para um sistema de arbitragem precursor das leis que surgiriam no futuro, para disciplinar o convívio pacífico entre todos, pelo menos no imaginário de quem as promulgaria.
O fato é que aquele país nunca mais foi o mesmo. Tal como a vida que é via de mão única sem direito a retorno, assim sucedeu com aquele povo; e nesse processo de transformação surgiram novas categorias de pessoas – os líderes - que se organizaram em classes, chegaram ao poder nas várias esferas de governo, entendido como tal a do executivo, legislativo e judiciário; e passaram a agir de forma corporativista, introduzindo mudanças sutis e gradativas na teia do relacionamento interpessoal e grupal, cujo resultado final foi a subtração lenta, porém persistente dos direitos de grande parte – talvez da maioria da população - em contrapartida à institucionalização de um sistema de privilégios aos líderes e seus asseclas.
Em que pese o fato de que constava na Constituição daquele país que todos eram iguais perante a lei, o que se instituiu na prática foram dois tipos de cidadãos. Os de primeira categoria representados pelos líderes, seus asseclas, seus apaniguados, os amigos dos asseclas, os amigos dos amigos, etc.; e os de segunda categoria representados pela maioria esmagadora da população, aos quais, muitos direitos elementares assegurados na Constituição, como saúde e educação, por exemplo, não eram providos satisfatoriamente pelo Estado.
E assim, um clima de pseudo harmonia foi restabelecido, porém mais tênue e frágil, suscetível de ruptura a qualquer instante, por qualquer motivo de somenos importância, que em outras épocas passaria despercebido. Ou seja, o sentimento de paz e concórdia que um dia fora verdadeiro, deu lugar a um estado de permanente tensão no qual o relacionamento pessoal se tornou cada vez mais frio e arredio, impregnado de prevenção e intenções inconfessas que não se materializavam devido ao temor do peso da lei que se infringida suscitava aplicação de penalidade exageradamente rigorosa em relação ao suposto delito, situação que posteriormente foi sendo modificada por emendas na legislação ao ponto de se transformar por completo assumindo feições de leis apenas decorativas, ou quando muito destinadas a punir somente os menos favorecidos pela sorte, fortuna ou instrução; e mesmo assim as penalidades aplicadas nem sempre eram cumpridas, pelas mais diversas razões, tais como a possibilidade de um aprisionado evadir-se do cárcere, ou mesmo ser posto em liberdade, em datas especiais, num compromisso implícito que passada aquela data especial, deveria o condenado retornar - por iniciativa própria – à prisão, para continuar o cumprimento da pena; algo surreal que era interpretado pelos indultados como a senha para a fuga definitiva!
Bem, voltemos sem mais delongas nem divagações, ao motivo da festividade daquele dia, que pelo menos momentaneamente parecia ter transportado todos de volta ao passado da perfeita e genuína harmonia, pois era isso que se vislumbrava do semblante de cada pessoa.
A festa era pela inauguração do posto médico, que chegava na esteira do progresso; e que ao descerrar-se a fita inaugural, exibiria uma belíssima placa de bronze, luzidia ao ponto de ofuscar a visão, onde se lia: POSTO MÉDICO DR. JACEPUCA FILHO, nome que homenageava o filho do Sr. Jacepuca, recém formado em medicina e que graças às suas múltiplas habilidades, além de cuidar da saúde do povo, também estava sendo preparado para suceder seu pai na política; e, portanto participaria da referida festa ao lado do pai, com direito a discurso, fotos, beija mão e demais penduricalhos ou práticas próprias dessas ocasiões, notadamente quando o bem público objeto do bródio de inauguração, se localiza em local pobre de população carente e predominantemente pouco esclarecida ou analfabeta, cuja consciência habita o estômago e, portanto é bem fácil de ser manejada.
Não obstante a inauguração que em breve ocorreria, alguns detalhes ainda faltavam para que a obra pudesse ser considerada efetivamente acabada. Detalhes que na ótica das autoridades eram de pouca importância e não invalidavam o ato inaugural e muito menos a intenção de levá-lo a cabo.
Exemplo desses detalhes era a falta de vacinas e medicamentos básicos, de equipamentos simples como balança para pesar crianças, luvas e seringas descartáveis; e outros similares que segundo informações da assessoria do Sr. Jacepuca chegariam ao posto mais tardar dentro de uns dois meses.
Finalmente chegou a comitiva com as autoridades num grande e lindo automóvel preto novinho e lustroso e logo atrás, uma carreata de correligionários que disputavam a cotoveladas um local privilegiado no palanque, ao lado do Sr. Jacepuca.
O Sr. Jacepuca, que já passava dos seus sessenta anos, subiu no palanque envergando um terno de linho branco que vestia com elegância o seu corpo de estatura média, um tanto rechonchudo. Seu rosto arredondado - coberto por uma barba grisalha, cerrada e bem aparada, ligeiramente avermelhado como se o sol inclemente estivesse a realçar-lhe a cor, lhe conferia um jeito descontraído que combinado com sua habilidade em dizer aquilo que o público queria ouvir, outorgava-lhe um perfil politicamente interessante de homem do povo. Uma verdadeira armadilha para fidelizar o voto dos eleitores de boa fé, a quem quase tudo era negado, inclusive a informação, disponibilizada de forma distorcida e escamoteada.
Ao lado do pai, o Dr. Jacepuca Filho era todo sorrisos numa interpretação irretocável do papel de bom moço que reúne todas as qualidades que o imaginário popular em sua visão fantasiosa define como modelo e passa a idolatrar.
Aí, possivelmente resida a razão fundamental para o povo se deixar enganar repetidas vezes, pelos mesmos políticos, com as mesmas promessas e inverdades, ou meias verdades - para evitar o risco da radicalização. Pois a imagem e a áurea habilmente construída com apoio de profissionais especializados em marketing político sobrepuja com larga margem de vantagem a capacidade de análise e de crítica dos eleitores, controlados à rédea curta, por um sistema educacional fracassado, ineficiente, obsoleto, manipulado e de baixíssima qualidade. Uma espécie de plano demoníaco para condenar não só as gerações atuais, mas também as futuras a permanecerem amarradas a poderosos grilhões invisíveis que não as deixam se libertar dessa dominação.
Como reforço adicional a esse sistema de opressão, praticava-se no governo uma retórica populista. Uma espécie de discurso de “uma nota só” que procurava transferir a responsabilidade pelo que o governo deixava de fazer àqueles que a custa do próprio esforço e do trabalho conseguiram sorte diferente. Ou seja, com esse tipo de desculpa desonesta, procuravam as autoridades eximir-se da responsabilidade pela manutenção das gritantes desigualdades que ao longo de décadas foram se materializando e que precisavam ser corrigidas.
O que se via, era que o viés humanista propalado nas campanhas eleitorais cedia lugar a outro tipo de conduta quando as oposições chegavam ao poder, independentemente de suas ideologias. Paradoxalmente, os políticos ligados às correntes ideológicas que mais reivindicavam a simbologia de defensores dos oprimidos eram os que adotavam as práticas de governo menos indicadas para reverter as desigualdades que cheios de razão, tanto condenavam durante as campanhas político-eleitorais. Ao invés de investir em educação- único e verdadeiro caminho para erradicação da miséria e da alienação- perpetuavam o estado de pobreza e de dependência através de políticas pseudo-distributivistas
Aparentemente faltava competência ou boa vontade aos governantes para perceber que ações de governo dessa natureza precisavam ser complementadas por outros programas que suportassem as demandas em outras áreas, como saúde, saneamento básico e educação, por exemplo.
Sem isso, essa parcela da população que se encontrava marginalizada, assim continuaria porque não conseguiria se inserir no mercado de trabalho, como população economicamente ativa, por não possuir os requisitos básicos para entender e trabalhar num ambiente onde a tecnologia a cada dia assumia maior peso. Pior, essa condição indigna seria transmitida à sua descendência, como uma espécie de herança social, ou castigo que o Estado impunha aos que não pudessem suportar pelos próprios meios, os encargos com educação e saúde, definidos na Constituição como de sua obrigação e responsabilidade.
Ou seja, gradativamente o Estado ia se transformando num tipo de monstro que tudo devorava e quase nada oferecia em troca. Com uma carga tributária a cada dia mais insuportável, arrecadava mais e mais dinheiro que se esvaia nos meandros da mastodôntica máquina administrativa que ao invés de servir o povo, dele se servia, arrancando – ao amparo da lei - os poucos recursos que ainda possuía, num processo perverso de transferência de renda dos menos representados para os privilegiados pertencentes a uma nova classe social que através do elevado QI – não se trata de quociente de inteligência, trata-se de quem indica - se encastelara nos diversos escalões do poder, num verdadeiro aparelhamento político e loteamento da máquina administrativa e de empresas estatais, cuja conseqüência mais imediata era a queda vertiginosa da produtividade já bastante precária nos órgãos públicos de um modo geral.
Reformas significativas e profundas que visassem à redução das desigualdades e que a médio prazo pudessem proporcionar condições idênticas de oportunidades, direitos e obrigações, não se faziam. Talvez porque faltasse a coragem aos que deveriam empreender uma assepsia geral no emaranhado de dutos por onde corria o lodaçal de favores e negociações entre os poderes, tão comum naqueles dias; ou porque a oposição uma vez no poder julgava que a manutenção do “status quo” que tanto condenava rendia mais dividendos e, portanto era mais interessante como estratégia para se perpetuar no poder; e assim tudo continuava como dantes no quartel de Abrantes!
Bem, o posto médico foi inaugurado em clima de festa, os discursos se sucederam, o povo feliz – como se num passe de mágica os problemas tivessem acabado - aplaudiu.
Uma alegria passageira, pois a realidade, tal como o carrasco que se posta junto ao cadafalso, sobrevivia incólume e zombeteira como a se divertir daquela parvalhice, sabedora de que a rotina, ato contínuo, seria a mesma: a das carências, do desemprego, da falta de segurança, da falta de um sistema educacional de qualidade, da falta de assistência médica, da falta de moradia e de saneamento, da impunidade aos crimes de um modo geral e aos do colarinho branco em particular; das fraudes de toda espécie, da anistia aos contumazes infratores da lei, da conivência e omissão em relação a todo e qualquer tipo de delito ou afronta grosseira aos princípios de igualdade assegurados na Constituição e que na prática não passavam de letra morta porque aqueles que deveriam assegurar seu cumprimento eram os primeiros a virar-lhe as costas.
Pobre país esse, que segundo a lenda, era habitado por um povo de hábitos e costumes muito exóticos que os tornavam um país e um povo absolutamente ímpar no contexto da comunidade de nações. Uma espécie de país da fantasia, no qual as pessoas gastavam a vida interpretando como se estivessem num imenso teatro. Assim, a experiência da vida, única e limitada no tempo, não era vivenciada em cada uma de suas nuances, era apenas interpretada. Uma espécie de fuga da realidade induzida por diversos mecanismos de defesa, para torná-la menos insuportável.
Consta ainda, que era um país onde vícios e virtudes, trabalho e indolência, conhecimento e ignorância, ética e sua ausência, corrupção e decência, crime e retidão conviviam em tal harmonia, na vala comum, que ao alienígena desavisado parecer-lhe-ia estar em outro planeta, tamanha as diferenças com os padrões de conduta de outros povos.
Vários estudiosos da natureza humana que se dedicavam a entender e explicar os exacerbados instintos de dominação, a situação de sujeição e submissão dos mais fracos, a fixação doentia pelo poder e outras facetas da psique do Homem afirmavam que esse povo era governado por homens que acreditavam piamente serem enviados do Todo Poderoso, assumindo muitas vezes uma postura como se fossem o próprio Deus. Assim, se achavam acima do bem e do mal, não se viam obrigados a respeitar as leis quando seus interesses conflitavam com estas. Relativizavam os conceitos de moral e de ética, de forma que tal qual um camaleão pudessem se adaptar a uma nova realidade, sempre que seus desejos assim o exigissem.
Nesse país, o povo em sua esmagadora maioria se comportava como coadjuvante do grande espetáculo. Parte do povo porque não sabia pensar, por lhe faltar o ferramental básico para o exercício de tal habilidade, ou seja, a instrução ou educação formal; e a outra parte porque desfrutava de relações estreitas com quem estava no poder ou com quem estava próximo de quem o detinha; e assim, era mais cômodo aplaudir e garantir privilégios, do que contestar e correr o risco de perdê-los. Afinal para essa parcela da população não fazia nenhum sentido se apegar a conceitos morais e éticos que denunciariam benefícios indevidos, dos quais era parte favorecida; nem fazia parte de suas convicções cívicas qualquer apreço por questões dessa natureza.
Sobrava uma minoria que não se pautava por essa cartilha, mas que do ponto de vista estatístico pouco contava, pois não era representativa, não estava organizada politicamente, nem engajada em outra causa que não fosse o trabalho. Isso mesmo, o trabalho! Afinal ainda existia uma parcela da população que acreditava que esse era o caminho para se construir com dignidade uma nação.
Nesse caldo de cultura, esse país foi forjado. Houve períodos de crescimento, notadamente quando de conjunturas mais favoráveis, que se revezaram com crises de amplitudes variadas, algumas apenas de natureza econômica, outras institucionais; e noutras ambos componentes estiveram presentes.
Estabilidade política nem sempre existiu, houve interregnos de autoritarismo, cuja origem sempre esteve vinculada a forte deterioração nos padrões éticos, morais e de comportamento das autoridades constituídas, as quais devotavam exagerado culto à própria imagem e nenhum apreço pelo fortalecimento das Instituições.
E assim, a história desse país foi sendo cunhada ao longo do tempo, registrando as alternâncias e as lutas intestinas pelo poder, as mudanças sociais impactantes no equilíbrio dinâmico de natureza eminentemente frágil e suscetível de ruptura; as demonstrações de forças de grupos menos afeitos à coexistência com a diversidade de idéias; sem contar as tentativas de segmentos minoritários de subverter a ordem e o estado de direito para impor sua ideologia e o seu patrulhamento à maioria refratária a essa forma de conduta e pensamento; atitudes que tomavam – por paradoxal que possa parecer – sob o beneplácito das autoridades boquirrotas que ao invés de fazer valer a Constituição, faziam vista grossa a esses movimentos, deixando antever a provável existência de interesses inconfessos.
Dessa balburdia resultava o que podia ser resumido nas seguintes máximas popular: “Os incomodados que se mudem” ou “Vá reclamar ao bispo”
No entanto, o povo obreiro, sábio por intuição, compreendia com absoluta clareza esse quadro sombrio e sabia que era o destinatário dessa mensagem, logo se via abandonado à própria sorte, sem ter com quem contar. Notava ainda que as Instituições se deterioravam num clima de fim de festa. Percebiam que toda sorte de desrespeito aos preceitos legais, a forma desavergonhada com a qual os políticos faziam apologia a práticas antiéticas para não dizer criminosas, as manifestações em defesa de corruptos e da corrupção eram praticadas despudoradamente, justamente pelos que deveriam coibi-las e dar o exemplo, num cenário de inversão de valores, onde quem se rebelasse contra desmandos e crimes, corria o risco de ser processado como se criminoso fosse, ao passo que o verdadeiro infrator era inocentado e mesmo idolatrado. E assim, a fé na Justiça que um dia fora inabalável, começava a fenecer e com ela, a esperança no último sustentáculo da sociedade. Sobrava um único pilar, a imprensa que se debatia corajosamente para denunciar tudo, tamanha a profusão de episódios.
Ou seja, os escândalos envolvendo políticos – na maioria das vezes por eles mesmos patrocinados – se reproduziam a mancheias e se sucediam em velocidade de cruzeiro, provocando a própria banalização e roubando a capacidade de indignação do povo cuja lucidez para discernir o certo e o errado também se esvaecia na medida em que se esboroavam os padrões de referência. Assim, a notícia que outrora provocava repulsa e revolta, no instante seguinte era atropelada por outra mais escabrosa e caia no esquecimento, fortalecendo a convicção dos malfeitores de que o crime compensava!
Enquanto isso, pessoas morriam sem atendimento médico e os hospitais, principalmente os que assistiam os menos favorecidos, não possuíam os equipamentos necessários, nem medicamentos básicos e muitas vezes, nem profissionais para atender minimamente as necessidades do povo. Assemelhavam-se a um horripilante quadro dantesco. Aliás, mostravam na prática aquilo que Dante definiu como Inferno, na Divina Comédia. E aqui não se trata de sentido figurado, mas da constatação de uma realidade assustadora, pois aos poucos os hospitais – notadamente os públicos - se transformaram em depósitos de doentes, amontoados em macas no chão dos corredores, como se fossem o rebotalho de uma mercadoria de segunda categoria, a espera de atendimento que nem sempre chegava a tempo de salvar-lhes as vidas.
Aos médicos e demais profissionais da saúde, baixa remuneração, condições precárias de trabalho e longas jornadas, sem qualquer reconhecimento pela abnegada dedicação e pelos esforços para minorar o sofrimento das pessoas.
Aos pesquisadores, cientistas, professores; e a todos que trabalhavam em qualquer área da ciência ou do conhecimento, bem como aos estudiosos de um modo geral, falta generalizada de apoio para a organização e estruturação de um pensamento científico voltado para produção de conhecimento nos diversos ramos da ciência como caminho para a verdadeira emancipação, através de novas descobertas, nas mais diversas áreas, desde a produção de alimentos, medicina, cibernética, engenharia, nanotecnologia, fármacos, etc. não apenas como forma de aumentar o valor agregado dos produtos, mas também como caminho para estimular melhorias no sistema educacional vigente, com ganhos de qualidade e competitividade, geração de postos de trabalho, melhor qualificação da mão de obra, melhor remuneração, etc.
Desnecessário dizer que a manutenção prolongada desse quadro gera distorções profundas nos fundamentos que norteiam a convivência em sociedade, abrindo espaço para o surgimento de governos paralelos, na medida em que o Estado cada vez mais ausente – e omisso - das reais necessidades do povo favorece o aparecimento de estruturas ilícitas de poder.
Enquanto isso, Estado e governo vão se fundindo num processo de amálgama espúrio, onde o segundo vê o primeiro como se fosse um bem particular de sua propriedade e passa a administrá-lo de acordo com essa ótica, atropelando evidentemente, o arcabouço legal que perde totalmente seu peso e sua força por conta da fragilidade que esse processo impinge às Instituições.
Assim, como ondas sonoras que reverberam ao soar de um sino, esboroa-se rapidamente o acervo de valores sobre o qual se sustenta a sociedade, constituindo-se em séria ameaça aos princípios democráticos e por conseqüência à própria democracia.
Será real ou imaginário esse país? Essa conclusão fica a cargo de cada leitor, no exercício de sua plena liberdade de julgamento. No entanto, é irrefutável a constatação de que governo e povo são irmãos siameses, isto é, com alguns retoques na fotografia, o governo é a imagem do povo que governa; e neste ponto é irrelevante discutir se foi a galinha ou o ovo quem nasceu primeiro.
Que caminho seguir? O que fazer para reverter esse quadro e evitar o caos?
A resposta é bastante singela. Muito trabalho, apego inabalável à Verdade, respeito incondicional à Justiça e busca permanente da Paz. Essas quatro vertentes congregam o acervo dos valores éticos e demais princípios necessários à construção de uma sociedade civilizada.
Oxalá a razão prevaleça sobre as ideologias e as paixões. Oxalá as autoridades se vejam como servidoras do povo e se orgulhem em desempenhar esse papel com responsabilidade. Oxalá cada indivíduo, perceba que os seus direitos – na acepção mais ampla e abrangente da palavra - não são superiores aos direitos de seu semelhante, seja este seu conterrâneo ou habite o outro extremo do planeta. Oxalá cada indivíduo esteja consciente de sua responsabilidade de forma que sua caminhada transitória neste planeta seja um evento construtivo.
Que o planeta Terra – no qual estamos de passagem – continue sendo o lar de futuras gerações. Que o nosso legado não seja o da destruição. Que tenhamos o discernimento e a consciência de trabalhar pela Paz, o que significa que todos precisam ser súditos da Lei e da Justiça, portanto não há espaço para a coexistência de cidadãos de primeira e de segunda categoria. Todos são iguais perante a lei, de direito e de fato; e isso precisa se tornar realidade.
A busca da Paz pressupõe a desconstrução de muitos paradigmas. É tarefa árdua que requer coragem e humildade para colocar projetos nacionais acima de ambições pessoais ou grupais. É um exercício permanente, pois o poder inebria, corrói os valores e destrói os referenciais.
Sejamos vigilantes!
postado por Amadeu D. Muchon

quinta-feira, 23 de abril de 2009

VIVA A IMPRENSA INDEPENDENTE

Verdade seja dita, recentemente o Congresso Nacional está debaixo de forte cobrança e a sociedade tem dado demonstrações de seu apreço à postura da imprensa independente, cujo espírito investigativo e fiscalizatório tem trazido alento aos que acreditam que decência, ética, príncipios, civismo, retidão de caráter, dignidade,.... não são palavras vazias utilizadas pelos políticos para embelezar discursos repletos de inverdades; mas sim, vocábulos que no contexto da convivência numa sociedade organizada definem padrões de conduta com direitos e deveres iguais para todos.
Refiro-me a imprensa independente, porque não basta ser uma imprensa livre, é preciso ter independência para por o dedo na ferida, sem preocupar-se se isso agradará ou não os poderosos de plantão ou se haverá retaliações; e isso não me parece estar ocorrendo de forma generalizada. Lembro-me que na época das diretas já a televisão teve papel decisivo para que os caras pintadas saíssem às ruas, engrossando o coro dos que lutavam pela causa, encorpando de tal forma o movimento que o tornou irreversível.
Pois é, apesar de tantas mazelas ainda temos um imprensa livre, um bem que nem todos nossos "hermanos de Latino América" dispõem. Não obstante, alguns balões de ensaio na direção do cerceamento da imprensa aqui no Brasil já foram lançados, porém diante do repúdio veemente dela própria e de reações de segmentos organizados da sociedade houve o recuo dos "democratas" - não me refiro ao DEM -refiro-me ao espírito democrático e às convicções de nossos governantes.
Recorrendo a metáforas, tão em moda ultimamente, a luta do Bem contra o Mal é árdua. O Mal não se debela com facilidade. O Mal tem grande capacidade de dissimulação e engana com facilidade as pessoas de boa fé, portanto é imprescindível que a imprensa livre não dê tréguas nesse combate que está travando contra o Congresso Nacional e suas malfeitorias. A investigação chegou a tal ponto que se mantida firme e determinada, não permitirá que o lixo seja varrido para debaixo do tapete. Não há mais tempo para isso. Além disso há a esperança de que aos poucos ocorra uma adesão mais decisiva por parte da sociedade que certamente se engajará com maior rigor nessa causa nobre, pois a atuação da imprensa funciona como catalizador junto ao povo.
Que a imprensa livre continue atuando com determinação. Isso é necessário para passar o País a limpo e para preservar sua própria liberdade, pois não se iludam, o Mal tentará calar, ou controlar a imprensa. Seus tentáculos são muitos, seus escrúpulos nenhum, seus métodos são ignóbeis; e para o Mal o fim sempre justifica os meios.
Viva a Imprensa !
postado por
Amadeu D. Muchon

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Apelo ao Voto em Branco

Aqui no Brasil, que tanto se fala em democracia, votar é uma obrigação e não um direito; e ainda assim, sempre que se aproxima uma eleição surgem campanhas nas emissoras de rádio de e de televisão, conclamando os eleitores a votar. Por que fazem isso ? Será que o medo de que ocorra uma abstenção maciça dos eleitores está tão impregnada no subconsciente dos políticos e da Justiça Eleitoral a ponto de que temam um fiasco que denuncie a farsa em que se transformou a política no Brasil, ameaçando por em risco nossas Instituições ? Se o voto é obrigatório, por que fazer campanhas ? Não seria mais útil investir os recursos gastos nessas campanhas em educação, por exemplo ? Ou será que há o temor por parte dos políticos em relação a melhorias no sistema educacional porque isso comprometeria a liberdade que hoje desfrutam para as práticas eticamente e moralmente condenáveis ? Será que o Congresso Nacional está a altura da missão a ele reservada ? Se está, por que não cumpre suas funções de legislar e de fiscalizar o Estado Brasileiro?



Ultimamente os jornais tem trazido - e com razão - matéria farta sobre a PEC do calote como ficou conhecida a emenda constitucional que permite aos governos estaduais e prefeitos pagarem da forma como bem entenderem os precatórios. Essa PEC já passou pelo Senado e agora está para apreciação na Câmara. O que vai acontecer ? Qualquer que seja o posicionamento da Câmara dos Deputados, uma coisa está clara: os governadores e os prefeitos não prezam o estado de direito, pois o que estão fazendo nada mais é do que "arranjar" uma jeitinho no legislativo para descumprir decisões do Judiciário julgadas já na última instância. Um verdadeio atentado contra o estado de direito que a sociedade não pode assistir passivamente.



Lamentavelmente, quando se chega a esse ponto, cabe perfeitamente a pergunta: para que serve o Congresso Nacional ? Para para legislar e fiscalizar assegurando o convívio harmônico de todos e o progresso geral do país e de seus habitantes ? Ou para demolir preceitos legais existentes, de forma que o Estado através de seus agentes se transforme em algoz do povo e desrespeite direitos sagrados dos quais deveria ser o guardião ?



Depois falam em ditadura ! E o que é isso que estão fazendo ? Por acaso isso é democracia ?



O Congresso Nacional não pode aprovar essa PEC. Aprová-la é o mesmo que legalizar uma imoralidade odiosa. É praticar uma violência sem precedentes contra os que depositam sua confiança no estado de direito. É conceder salvo conduto a governantes para que optem pelo caminho mais fácil, o do calote, ao invés de cortar despesas e administrar com austeridade, além de abrir caminho para que perpetrem novos calotes no futuro.



Um país que almeja um reconhecimento diferenciado pela comunidade internacional, não pode aceitar esse tipo de esbulho.



É necessário e urgente que as pessoas de bem se unam e se façam ouvir para dar um basta a esse descalabro, antes que as mudanças venham por outros caminhos que certamente serão mais dolorosos para todos, menos para os políticos espertalhões, pois estes são os primeiros a pular fora quando barco começa a fazer água.



Por crer piamente que esses políticos - salvo raras exceções - não merecem nosso voto, manifesto minha posição favorável ao voto em branco e conclamo a todos que adotem essá prática nas próximas eleições.
Um percentual elevado de votos em branco, certamente fortalecerá os bons políticos, o Judiciário e as forças vivas da Nação na luta contra as práticas expúrias nas quais se encontra mergulhado o Congresso nos dias atuais. Será um recado claro aos políticos que pensam que uma vez eleitos não precisam prestar conta de seus atos aos seus eleitores; e será um alento aos bons políticos que hoje se sentem como um fio de água limpa ecorrendo no meio de um fétido lamaçal.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Estão matando a Democracia

Há muito se processa uma subversão de valores, cujo resultado se manifesta num comportamento social permissivo, onde a indignação e o inconformismo contra injustiças das mais variadas formas, tal como a malversação - conforme noticiado pela imprensa diariamente - dos recursos oriundos de impostos abusivos e espoliativos decorrentes de uma sanha arrecadatória sem precedentes, foram substituídos por um estado de letargia quase geral e crescente, catalizado por sistemáticas campanhas na mídia, cujo objetivo é o de construir uma imagem de "legalidade" a práticas espúrias de governo, seja por omissão, seja por formas deliberadas de agir ao arrepio da lei e mesmo de preceitos constitucionais.
Assim, se sucedem os escândalos, sem apuração e sem condenação. Na verdade, a cada dia, os escândalos têm vida mais efêmera, eis que são sepultados por outro mais novo, do qual a mídia se ocupa e o anterior cai no esquecimento. Os exemplos são muitos: mensalão, dolar na cueca, má utilização de verbas por congressistas, nepotismo, etc... só para citar alguns a guisa de exemplo, pois os jornais estão fartos de noticías do gênero.
Desnecessário dizer que na medida em que o tempo passa, a reversão desse quadro torna-se mais difícil. Ou seja, o tempo conspira a favor dos inescrupulosos de plantão, pois a cada geração - graças ao sucateamento da educação - práticas de governo antes condenáveis, vão se tornando mais e mais aceitas face ao embotamento da consciência e da capacidade de processar informações e interpretar a realidade, balizada e fundamentada no estado de direito e no respeito à Constituição.
Como consequência, o povo fica relegado a própria sorte, o empobrecimento recrudesce, a segurança pública se deteriora, a impunidade cresce, o atendimento às necessidades de saúde piora, a educação torna-se um vexame; e o tecido social sofre um esgarçamento acelerado, porque o Estado ao invés de cumprir seu papel, transforma-se num ente que privilegia determinada categoria - a máquina administrativa - altamente burocratizada, inchada e ineficiente; que ao invés de servir, se fortacele pelo corporativismo que pratica para preservar vantagens inacessíveis à maioria esmagadora da população.
As manifestações de segmentos da sociedade, materializadas em passeatas, invasões, etc. que ainda se assistem, são manobradas por interesses, na maioria das vezes escusos e o pobre povo não passa de massa de manobra nas mãos de espertalhões que se arvoram na posição de líderes dos explorados; e que na verdade nada fazem para melhorar as condições de vida destes. Pelo contrário, usam-nos como fonte de poder para viabilizar seus próprios objetivos.
Claro está que um estado de coisas dessa natureza vai aos poucos minando a Democracia, pela qual tantos abenegados lutaram, num passado ainda muito recente. Por sintomático que possa parecer, até mesmo no Congresso, já existe gente externando opiniões quanto a utilidade do mesmo.
É muito triste chegarmos a tal ponto. Como tudo tem limite, não convém "esticar demasiadamente a corda" pois ela poderá rebentar !